Quando o assunto são as políticas de ações afirmativas, é muito comum uma associação circunscrita às reivindicações sociais que culminaram na “Lei Federal de Cotas”, sancionada em 2012. Essa luta, no entanto, é histórica, ao que me proponho, neste breve texto, percorrer caminhos que nos levam ao passado, ao século XIX, a um homem negro aguerrido, um dos maiores abolicionistas do Brasil; ao presente, à atualidade de seu pensamento e, sobretudo, ao futuro, na utopia que sempre nutriu os passos de André Pinto Rebouças.
André Rebouças foi um importante personagem da história do Brasil. Amigo íntimo do imperador Dom Pedro II, ele compunha a elite intelectual brasileira no contexto do Segundo Reinado e, por toda a sua vida, mesmo durante o autoexílio (1889-1898), foi um intelectual assíduo, sempre fiel às suas propostas enquanto reformador social. Como abolicionista, foi um dos maiores e suas reivindicações diferiam das de muitos outros, porque tinham o mérito de serem norteadas por forte compromisso social. Seus ideais de reforma, ou melhor, de ações afirmativas, tornam-no um dos precursores da defesa da reforma agrária no país. Para Rebouças, liberdade e propriedade de terra formavam um elo indissociável e fundamental para a integração dos ex-escravizados à sociedade. O caminho para corrigir as desigualdades sociais/raciais do Brasil conduzia, segundo seu pensamento, à correta organização da agricultura. A chave para o sucesso da integração dos negros e negras após a emancipação seria, logo, torná-los proprietários de parcelas de terra. Essas ideias traduzem o seu conceito, esmiuçado em seu livro Agricultura Nacional, de Democracia Rural Brasileira.
O comprometimento de André Rebouças com o Abolicionismo foi incessante e, a partir de 1880, ele participou da fundação de inúmeros movimentos, tais como a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, a Sociedade Abolicionista e a Sociedade Central de Imigração. Infelizmente, a Lei assinada em 13 de Maio de 1888 não trouxe as reformas estudadas e defendidas por Rebouças. Por tudo isso, em 1891, durante o exílio que culminou em sua morte, ele escreve:
“Quando eu morrer, dirão: foi o maior inimigo dos fazendeiros – epitáfio que me agrada muito pela novidade porque nunca ninguém o teve no Brasil e, por ora, ainda ninguém quer ter. Mas a herança aí fica e verá que aparecerão logo muitos apóstolos para a Democracia Rural Brasileira. Quanto a mim, desejo apresentar-me ao juiz supremo, dizendo: ‘trabalhei o quanto pude para extirpar do mundo o monopólio da terra e a escravização dos homens’.”
Texto de Anita Pequeno, doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPE.